domingo, 4 de julho de 2010

Discurso de Formatura!





No dia 02 de julho deste ano me formei em Medicina, e tendo sido o Orador da solenidade, vivenciei um momento de grande emoção junto dos meus colegas...
Seguindo a sugestão de um amigo, decidi postar aqui as palavras que discursei.

Magnífico reitor da Universidade Federal de Pelotas, professor Dr. César Borges; Excelentíssimo diretor da Faculdade de Medicina, professor Dr. Farid Nader; Excelentíssimo paraninfo, professor Dr. Luís Felipe Lopes Ustárroz; Excelentíssima patronesse, professora Dra. Elizabeth Carpena Ramos; Excelentíssimos professores e funcionários homenageados; Demais autoridades civis e militares presentes ou representadas; Senhores pais, familiares e amigos; caros colegas.

Rostos manchados de tinta, semblantes de vencedores e almas encharcadas de felicidade estavam presentes em cada um de nós quando há seis anos nossos caminhos se cruzaram enquanto éramos movidos por um sonho: o de sermos Médicos. Sonho este que nos fez ingressar juntos em uma jornada de magnitude por nós desconhecida: a missão que escolhemos para as nossas vidas - a Medicina.
Havíamos sido aprovados em um vestibular de grande concorrência, estávamos repletos de energia, medos, expectativas e desde o princípio a nossa jornada se revelou complexa e surpreendente.

No anatômico, nos vimos diante da morte enquanto descobríamos minuciosamente do que somos feitos e nas aulas de Psicologia surgiram teorias que para muitos pareceram inicialmente absurdas.
Também passamos a conhecer a exigência que a nossa formação necessita fazer dos alunos a fim de que estes se tornem bons profissionais conforme os semestres passavam. Realizamos avaliações práticas com minutos contados no relógio, provas em pleno final de semana.
Descobrimos na microbiologia, através das lentes dos microscópios, que estar vivo é um milagre. Ficamos nervosos, tememos não ser capazes de aprender tantos conteúdos, perdemos e ganhamos o sono quando não devíamos.
Durante o início da fase clínica do curso, passamos a conhecer a Semiologia Médica e com ela tivemos o nosso primeiro contato com os pacientes; timidamente nos aproximávamos daquele estranho e familiar objeto de estudo da nossa futura profissão: o ser humano, que necessitava ter desde as suas células estudadas, além dos seus órgãos e funcionamento dos mesmos, bem como ter a sua mente e a sua alma compreendidas para ser bem assistido pelo Médico.
Tínhamos medo de não saber responder as perguntas dos pacientes, de não ser capazes de colher uma boa história dos mesmos e de examiná-los. Éramos alunos que davam os seus primeiros passos na Medicina, munidos da intenção de ajudar e de aprender... E foi nesse momento que fomos surpreendidos por pessoas que dividiram conosco as suas dores, os seus anseios e o seu bem maior, a sua vida, permitindo que ouvíssemos as suas queixas e que nossos olhos atentos e mãos inexperientes descobrissem os sinais das suas doenças enquanto desvendávamos os seus diagnósticos.
Nossos pacientes nos ensinaram lições que escapam dos livros, nos mostraram em seus momentos difíceis a força que mesmo na fragilidade o ser humano é capaz de revelar em sua luta pela vida.
Aprendemos a desenvolver a empatia, embora não nos fosse permitido chorar, nos indignamos com a brevidade da vida, convivemos com a dor e com o sofrimento,
Tivemos a oportunidade de ver a mãe esquecer-se de si e das dores do parto ao tocar o seu filho que acabara de nascer em nossas mãos, nos impressionamos com a engenhosidade das cirurgias à semelhança de orquestras transcorrendo em perfeita harmonia, nos vimos nas crianças da pediatria relembrando como tínhamos medo na infância dos que não eram os nossos pais.
Pudemos observar do alívio da enfermidade à sua cura.
Conhecemos a realidade Médica que nos aguarda com os problemas que a assolam, como a falta de investimentos políticos e de recursos, necessitando que trabalhemos para transformá-la.

Mas em meio a todas essas descobertas, realizamos uma especialmente interessante: descobrimos uns aos outros.
O longo tempo de convivência – maior que o junto dos familiares e conhecidos, as dificuldades superadas juntos, nossos momentos de risadas, de choros, de brincadeiras, contribuíram para que nos aproximássemos cada vez mais e para que a Leiga presenciasse o surgimento de fortes amizades, de grandes amores e para que aprendêssemos muito com os colegas.
A nossa turma, a Turma do Tiroteio, teve como um de seus traços principais ser composta por indivíduos muito diferentes entre si: de várias regiões do país, pudemos conviver com pessoas das mais ansiosas às mais calmas, das mais estudiosas às mais festeiras e também com aquelas que mesmo em um mundo por vezes tão injusto e desonesto como o nosso, se caracterizam pela coragem de ter fé.

Alguns momentos deixarão saudades, como os muitos churrascos, as Festas na casa da Professora Neneca e do Professor José Maurício, a presença constante do amigo e Professor Luís Felipe, o histórico vitorioso do Tiroteio Futebol Clube, as imitações de colegas e professores, os perigosos passeios na superlotada e memorável Kombi do nosso X. Outros como as nossas brigas e desentendimentos, devem ser lembrados como fatos que puderam contribuir para que amadurecêssemos.

Também marcantes foram as presenças de nossos Professores em nossa formação; estes, já haviam estado em nosso lugar, conheciam o caminho que estávamos a percorrer e guiaram os nossos passos criando condições para o nosso aprendizado com respeito, amizade e dedicação. A todos os Mestres que nos transmitiram o conhecimento e que nos servem de exemplo como profissionais e pessoas, os nossos sinceros agradecimentos.

Outras pessoas que assumiram fundamental importância nessa trajetória foram os nossos familiares, amigos, namorados, namoradas, além de todos aqueles que em algum momento nos fizeram acreditar que poderíamos ir mais longe em nossa busca pela realização profissional e pessoal, aos quais devemos ser muito gratos.
Especial atenção deve ser dada aos nossos pais, aos quais coube a difícil tarefa de nos apresentar ao mundo, dedicando as suas vidas a nos amar e a nos educar, sofrendo com o nosso sofrimento e sendo felizes com a nossa felicidade... Somos parte deles e eles de nós.

Após esses seis anos de curso, podemos dizer que já não somos mais os mesmos. Muitos de nós começamos a Faculdade de Medicina com uma visão um tanto idílica acerca da mesma: a de que deveríamos estudar e se formar para salvarmos vidas; no entanto, durante o curso, chegamos a ouvir que a Ciência Médica representa para os Médicos uma guerra perdida, para os quais assim como soldados em seus QGS, o fim acaba por ser capitular-se diante da inexorabilidade do seu "inimigo", a morte.

Hoje nossa vivência nos permite ver o Médico como um cuidador de pessoas, que, sobretudo respeita e gosta do gênero humano; podemos compreender que o Médico deve ser sempre alguém em busca de aprimorar-se na arte da Medicina, esforçando-se para desempenhar o seu trabalho com ética, competência e responsabilidade.
Neste momento, devemos buscar ser Médicos capazes de superar as nossas dificuldades e de cumprir o nosso papel diante da sociedade da melhor forma possível.

Quanto a salvar as vidas dos pacientes, atualmente somos capazes de entender que embora isso nem sempre seja possível e que as mesmas inevitavelmente um dia tenham que acabar, seremos diante do fim "soldados" vencedores.
Poderemos ajudar nas "batalhas da vida" para que estas sejam melhores vividas e mesmo frente à morte, será possível a nós tornar o seu curso menos doloroso. Não salvaremos os nossos pacientes, mas seremos pelos mesmos salvos: de viver de forma vazia, de existir em egoísmo na medida em que lançarmos o nosso olhar sobre o outro, estaremos a salvo de não aprender e de não desfrutar com os demais as melhores coisas que a vida possa nos oferecer. Seremos, na verdade, privilegiados por todo o crescimento pessoal que a Medicina nos permite ter.

Hoje, modificados e realizados pelo sonho que nos uniu, devemos continuar a nossa caminhada ainda que não mais lado a lado e seguir na luta por aquilo que acreditamos que mereça todos os nossos esforços, lembrando-se de que como disse o Médico Ernesto Guevara de La Serna: “Lutam melhor aqueles que têm belos sonhos”.
Foi uma honra ter sido colega de vocês...muito obrigado!

5 comentários:

  1. Belo texto amigo JJ! Realmente um belo e emocionante texto. Cara, embora não seja da mesma turma, vivenciei cada palavra aí escrita, desde o anatômico até o estágio! Realmente, "Lutam melhor aqueles que têm belos sonhos."
    Aquele abraço JJ!!!

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  2. Que orgulho de vc! Foi lindo d+, perfeito, tocante...
    Te amo

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  3. nossa, que lindo texto.
    Parabens pela formatura...se formar em medicina deve ser emocionante, e o começo de uma aventura pelo resto da vida!

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  4. Aeh Joham! Depois de ter ouvido o discurso ao vivo e agora, de ler, até me senti importante pela sujestão! Algo tão inspirado não poderia ficar oculto. A escolha da pintura "aula de anatomia" do Rembrandt foi muito apropriada!

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